sexta-feira, 25 de agosto de 2023

ARTESÕES

          



    Eu te ouço falar de amor. De um amor mútuo e incomensurável. Te vejo acreditar em almas gêmeas destinadas um ao outro. Forças divinas e universais conspirando pelo encontro côncavo e convexo, yin yang, positivo e negativo, masculino e feminino.

   Talvez você tenha razão. E afinal o que que eu sei do amor verdadeiro?! Nada.

    Mas tem algo que eu sei sobre o amor....esse amor mútuo que você tanto fala, ele não vem feito pedra no caminho pra você tropeçar. O amor mútuo que você tanto quer é um tecido artesanal, trabalhado a quatro mãos. Duas pessoas decididas a tecer as suas vidas, uma na outra. Os tropeços, as vitórias. Os defeitos, as virtudes. As verdades, as mentiras. As conquistas, as vergonhas. Não é assim?! Cada momento bom e cada momento ruim. O urdume firme e esticado. A trama livre e delicada. Rotinas entrelaçadas voluntariamente. Fio a fio, por cima por baixo, apertar aqui, afrouxar acolá.

    E isso não é nada fácil.

   O amor mútuo te faz sangrar, suar, te deixa marcas, cicatrizes, queimaduras, calos. Já viu as mãos de um cozinheiro? Já viu os pés de uma bailarina? Os dedos de um pianista? Cada um deles se dispôs a viver a dor e o fracasso por um amor.

   Você quer viver o amor, mas está mesmo disposto a coser esse amor? Ou ainda espera que o outro te entregue o amor embrulhado em fita vermelha para você desfrutar? Tecer o amor, pede tempo, paciência e dedicação. Para aprender pontos que não sabemos, pra remendar o que rasgamos, aparar os fios, caprichar nos detalhes do acabamento.
  
  O problema é que, em algum momento, olhamos o que tecemos e esperamos que aquilo nos cubra, nos aqueça, nos acolha, nos faça sentir confortáveis e protegidos. Se não sentimos isso... tudo muda. Não reconhecemos as gravuras da tela, não vemos mais utilidade no tecido, a cala parece frágil e perecível… e então, basta puxar o fio principal, e tudo se desfaz. Foi o que aconteceu com você. É o que está acontecendo comigo.
  
  Eu sei que deixaremos pra trás um pouco de lixo. Frustração, revolta, raiva, tristeza, arrependimento do que se fez... do que não se fez. Por algum tempo apenas ficaremos confusos sobre o que fazer com o que sobrou. Mas, cedo ou tarde, teremos que limpar tudo, guardando o que nos parece útil, jogando o resto fora. E estaremos prontos para, quem sabe, tecer outra vez. É o que eu espero que aconteça com você. É o que eu espero que aconteça comigo.

  No fim, você pode perguntar, onde fica os “feitos um pro outro”, as “almas gêmeas” e os “felizes para sempre”?! Bom, espero que, nessa altura, você também saiba que isso tudo é lindo na ficção, mas na vida real o amor precisa ser urdido e não encontrado.

  Não é um presente dado.

  É um trabalho árduo, belo e gratificante entre dois artesãos.




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